Sempre (ou quase sempre) que abro uma caixa de perguntas no Instagram, aparece a famigerada pergunta "Qual foto que você fez que mais gostou?". Essa questão já me colocou para pensar, e sem ficar em cima do muro, não há resposta certa. Ou então, se eu der a resposta que todos esperam, muito provavelmente ficarão desapontados com a resposta.
Conversava esses dias com os assinantes do meu Privacy, sobre peso e valor de uma foto. Pedi para que os alunos trouxessem fotos que fizeram, para eu discutir tecnicamente o material. Foi super gostoso fazer a análise, gravei três vídeos, deu uma hora e meia de material, onde comentei composição, tratamento, luzes... um dos alunos trouxe uma foto de uma moça de costas, comentei que poderia ter feito "isso e aquilo" de melhor, e ele me explico que tratava-se da esposa e ele só conseguiu fazer daquele modo por questão de espaço e condições.
Outro aluno trouxe uma foto de uma criança, comendo uma papar delicioso, com os cabelos molhados. Bati os olhos na foto e senti o peso e interesse daquele material, uma foto documental, um registro do dia a dia. No vídeo, sondei se era a filha do fotógrafo, e depois dele ter assistido a aula, confessou que era realmente a filha dele.
Talvez a resposta da foto preferida feita por cada um possa ser então segmentada por categorias, acredito que fique mais justo, não é? Pois colocar na balança uma foto de um ensaio sensual ou trabalho e do outro lado seu esposa, sua família, seu bichos de estimação, a sua cidade, sua história... a derrota do ensaio sensual é acachapante. Talvez mesmo se você ganhar um prêmio Pulitizer, com alguma foto, as fotos do seu coração tenderão a ter mais valor para você.
Esse acima é o meu pai, no dia 23 de maio de 2015, às 13h47min. Foi um dia que saí com ele, fomos à Vila Belmiro, ele já estava numa época mais calada, mais introspectivo. Saí do lado dele e fiz essa foto, sem ele saber. Já falei da história dessa foto por aí, no mesmo dia, fiz uma foto da Vila Belmiro que virou capa do livro do centenário da Vila, mas isso é história para outro dia. Eu poderia dizer que a foto da capa do livro foi a minha grande foto, mas nem chega aos pés dessa foto do meu velho. Tem muita coisa envolvida aí, eu posso até explicar, mas não terá o mesmo peso para quem ler.
É disso que eu estou falando, as fotos têm pesos e valores especiais para cada pessoas, independente da técnica. As fotos de Robert Capa saindo das barcaças na Normandia, no Dia D, sendo alvejado por tiros alemães e ele, munido apenas de Leicas, saíram todas tremidas (ou como ele diria, "Ligeiramente fora de foco"). Mas era a foto que teve, o valor documental daquilo, só ele fez, independente da qualidade da foto, da técnica. O que vale destacar é que e sempre importará é o teor e a história por trás da foto.
Acontece que dei toda essa volta para chegar aonde eu queria. Subi no maleiro para pegar umas fotos, que queria mostrar para os meus amigos, abri a minha caixa de fotos, uma caixa onde estão fotos pessoais, de viagens, de família, espalhadas... e em cima, haviam meia dúzia de fotos que eu herdei do meu pai. Estavam com as coisinhas dele, e quando minha mãe separou os pertences dele, após ele ter falecido, minha velha e meus irmãos concordaram que aquelas fotinhos deveriam de ficar comigo, afinal de contas, sou fotógrafo.
Meu pai alguns anos antes de morrer de COVID-19 começou a desenvolver quadro de Alzheimer e demência, foi bizarro ver ele se fechando com o tempo, de um cara super inteligente para alguém dentro do próprio mundo. Em um das gavetas dele, tinham essas fotos e no meio dessas fotos, havia uma Polaroid. Uma foto que eu lembro do dia que fora tirada, eu deveria de ser adolescente, tinha uns 13 anos. Meu pai tinha uma Polaroid, nesse dia, visitamos os pais dele em Santos, e ele pediu para fazer uma foto dos dois, sentadinhos na varanda. Meus avós: Vó Vera e Vô Prudêncio.
Ali no Marapé, bairro bem família de Santos, uma casinha, com um sofá na varanda meus avós sentaram e meu pai fez o registro, com a luz da rua vindo de frente, em um final de tarde.
Sentei na cama ao encontrar essa foto, não esperava vê-la agora, em dias tão ligados à fotografia. Observei com calma, de cima a baixo. Que qualidade de foto, que cores, Polaroid é incrível... essa foto se meus cálculos estiverem certos, tem quase 30 anos e só está suja nas bordas, aonde as pessoas tocam, com as pontas dos dedos.
E ficava lá, na gaveta do meu pai. A única foto que era dele, dos pais dele, dos meus avós. A última foto que ele tirou dos dois juntos. Lembro bem do momento do clique, fiquei curioso para ver como tinha ficado, ansioso para ver a foto formando no frame da Polaroid... nem sabia que anos depois, fotos seriam tiradas em série por mini computadores, que ficam nos nossos bolsos.
Mas ao olhar essa foto dos meus avós, a única foto que meu pai tinha dos pais dele e era só dele, a resposta para o peso da foto mais importante que temos ou fizemos, fica muito mais fácil de ser respondido, né?
E fica muito mais fácil de entendermos quando alguém vier com uma Polaroid velha e surrada, falando que aquela foto é a preferida, que ficava na gaveta de cuecas e quase nunca via a luz do sol. Talvez por isso essa foto esteja tão intacta, talvez o fato das fotos dessa época serem menos efêmeras, carregam na sua alma uma força que as preservam, independentemente do tempo, que é inexorável.
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